Na Catena Zapata, uma experiência
daquelas que os humildes mortais sonham em ter um dia,
mesmo sabendo que é improvável que isso aconteça
É realmente muito difícil amar um
inimigo, por mais que seja um preceito bíblico. Mas há inimigos e inimigos. Tem
aquele que carregamos dentro da gente, que nos trava, impede nosso crescimento
e tira nossas forças. Pode ser o pior deles, na medida em que ele nos tenta
impedir, pelo medo, a dar o passo para a mudança que nossas vidas impõem. Esse
inimigo íntimo merece ser vencido numa luta sem tréguas até que suas forças se
exaurem e seja convertido num amigo.
El Enemigo, um dos principais vinhos
da Argentina, parece ter nascido de uma dessas vitórias. Diz a lenda que Adrianna
Catena, filha de Nicolas Catena, não tinha muito jeito para a atividade que
toda sua família desenvolvia e que nós só temos de agradecer, curtir e
aproveitar.
Nascida entre videiras, ela estudou
na Europa e ao retornar a Mendoza tinha uma idéia na cabeça: fazer seu próprio
vinho. Sem que Nicolas soubesse, adquiriu terras e se aliou a ninguém menos do
que Alejandro Vigil, o principal enólogo da Catena Zapata, a empresa de sua
família.
Aí começou a luta de Adrianna para
vencer o desafio de sua vida, digo, o inimigo de sua vida: fazer um vinho a
altura da tradição dos feitos pelos seus antepassados e pelos irmãos Ernesto e
Laura. Vinho pronto, ela e Alejandro só tinham o que comemorar: e emenda havia
ficado melhor que o soneto. Talvez Adrianna e Vigil estivessem naquele momento
vencido o inimigo comum, de fazer seu próprio vinho.
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Cecília Lopes inicia a degustação |
Nascia um vinhaço, que tudo tinha para agradar os mais
exigentes enófilos e os mais exigentes enólogos também. Na hora de batizá-lo,
Alejandro Vigil propôs: El Enemigo. Era também a vitória sobre o nosso inimigo
intimo, o medo de fazer algo novo, e uma lição de vida: do mesmo jeito que ele
nos trava, nos desafia a vencê-lo. Vencido, ele não se vinga, sente que cumpriu
o papel de obstáculo a ser vencido para que se tenha um eu pleno, confiante e
vencedor.
Hoje El Enemigo é uma linha de vinho espécie de alter-ego de
Alejandro Vigil, que o trata como um de seus filhos. Começa com o chardonnay,
passa pelo malbec e pela bonarda e chega num de meus preferidos, o corte de
syrah-viogner.
El Enemigo cresceu e seu irmão maior, o El Gran Enemigo Single
Vineyard Gualtallary 2010 é um ícone na Argentina: produzido com a uva que pode
virar um novo sucesso como é a malbec, a cabernet franc, esse vinho foi o mais
pontuado por Robert Parker entre todos os argentinos provados – 97 pontos.
Mais: é também o cabernet franc que recebeu do crítico norte-americamo a maior
nota entre todos os produzidos no mundo. Se você torce o nariz para Parker,
informo que o inglês Tim Atkin cravou 94 pontos e o norteamericano Sthephen
Tanzer deu 93. Há também o el Gran Enemigo cabernet franc na versão de Agrelo,
com as seguintes notas: 95 pontos Parker, 95 de Atkin e 92 de Tanzer.
É muito? Não, é o justo. Tanto que há lista de espera para
adquirir esses vinhos.
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Constanza Hartung exibe os el Gran Enemigos |
tive o privilégio de experimentá-los em minha última ida a
Mendoza, numa degustação especial na Catena. Alejandro Vigil não estava
presente, mas parte de sua alma está em cada garrafa de el Gran Enemigo. Foi
uma experiência daquelas que os humildes mortais sonham em ter um dia, mesmo
sabendo que é improvável que isso aconteça.
Degustamos vinhos ícones da Catena ainda na barrica, como o
Catena Alta malbec e o Nicasia, na visita guiada por Cecilia Lopez, wine educator da
Catena Zapata. Depois, quatro tops já estavam
prontos para a degustação: os Catena Alta chardonnay, o malbec e o cabernet
sauvignon. Não precisa mais, porém as duas grandes estrelas da vinicultura
argentina nos esperavam, os Gran Enemigos cabernet franc de Gualtallary e o de
Agrelo. Creio que se Deus bebesse vinho, apreciaria a seleção. Da nossa parte,
restou um comentário ao ouvido da simpática Constanza Hartung, que trabalha com
Vigil: “Diga ao Alejandro que eu não merecia tanto”. (José Rodrigues)