Carta aberta aos meus queridos
Texto de Alejandro Vigil
A Petit Verdot prestou homenagem a Alejandro Vigil, enólogo chefe da Catena Zapata e criador de El Enemigo no Dia Mundial do Malbec. Aqui, publica texto que revela um pouco de sua alma e explica por que os vinhos dele são tão bons.
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Dias de alegria |
Tenho lampejos de recordações, lampejos, porém, que invadem as sensações. Os aromas da manhã quando se acendia o fogão a lenha com os gravetos da poda, os molhos com que e minha avó cozinhava os nhoques, os assados, o vinho, o amor de casa, os aromas paternos, o conforto do abraço...
Os anos passam e estas sensações se impregnam quase na genética e se tivermos sorte, podemos transmiti-las aos nossos filhos. São coisas que não se perdem,sensações tangíveis e intangíveis que sobrevoam a alma e apertam o coração.
Há alguns meses caminhava por uma vinha e algumas recordações codificados no meu DNA saíram,sensações que perdi por um lapso de tempo, como uma amnésia temporária.
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Catarata vermelha |
Enquanto meus pés pisavam as ervas, as pedras e o solo, os dedos se mesclavam, mas bem se fundiam, voltei a sentir esse aroma: a terra húmida, a montanha, a jarra. Os brotos da vinha ao roçarem eriçavam meus pelos. O frio do orvalho molhava meus dedos, em pares na sinfonia, a uva intacta, imóvel, mas mostrando sua cor; o sol picando na pele... . Isso me levou a muitos anos atrás, muitos caminhos, muitos mundos em um só.
Eu chego em casa e esses inseparáveis momentos preparam o assado, o vinho volta a ter sentido, te olhas nos olhos e sabes onde queres estar, o que queres fazer. A terra para o meu corpo se move e o som e aroma quando cai o vinho na taça nublam a minha vista. Dois segundos depois sinto María, que me fala, quase sussurrando, e diz que me ama, enquanto as crianças correm para fora. É uma constelação perfeita, um momento único este sabor que está na boca.
Sempre senti que podia mudar o mundo ao fazer vinho: um entra em ecstasy e pode se perder enquanto o vinho pode mudar o nosso espírito. Desfrutar das caricias no paladar, abrir o coração, unir e esquecer a decepção.
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Vinhedo Adrianna |
A raiz do nosso amor sempre são recordações, coisas a rememorar que nos invadem e nos fazem voltar aos nossos prazeres iniciais, quando fazer vinho era um jogo,quando fazer vinho nos deixava nus frente ao outro, livres, a beleza do eterno e etéreo, a beleza de dor com uma razão.
Voltar para o nosso compromisso com a cultura, os nossos antepassados, a nossa família e amigos.
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Vinícola moderna |
Fazer vinho é uma forma de vida que nunca devemos virar as costas. Podemos ter amnesias de sensações, mas não esquecer. Temos sempre que acordar e ver o amanhecer com alguém. Obrigado Maria.
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