sexta-feira, 22 de abril de 2022

Alejandro Vigil: Carta aberta aos meus afetos.

 Carta aberta aos meus afetos.

Alejandro Vigil (*)

Tenho flashes de memórias, flashes mas que invadem sensações. Os aromas da manhã quando se acendia o fogão com os sarmentos da poda, os molhos da minha avó ao cozinhar os gnocchi, os churrascos, o vinho, o amor de casa, os aromas paternos, o conforto do abraço...
Os anos passam e essas sensações permeiam-se quase na genética e se tivermos sorte podemos transmiti-lo aos nossos filhos, são coisas que não se perdem, sensações tangíveis e intangíveis que sobrevoam a alma e apertam o coração.
Alguns meses atrás eu estava andando por uma vinha e algumas memórias encriptadas no meu DNA saíram, sensações que perdi por um lapso de tempo como uma amnésia temporária.
Enquanto meus pés pisavam nas ervas, nas pedras e no chão, os dedos se misturavam, mais como derretiam, voltei a sentir aquele aroma de terra húmida, de montanha, a jarilha, os brotos da videira ao raspá-los erizavam meus cabelos, o frio do ro Cio molhava meus dedos, os teros em sinfonia, a uva intacta, imóvel mas mostrando sua cor, o sol picando na pele... Levei muitos anos atrás, muitos caminhos, muitos mundos em um só.
Sentado com Fausto e Tanya Figueira,
Vigil pegou uma uva e fez esta obra de arte

Cheguei em casa e aqueles inseparáveis de momentos preparam o churrasco, o vinho volta a fazer sentido, olhas nos olhos e sabes onde queres estar, o que queres fazer, a terra para o meu corpo move-se e o som e cheiro quando o vinho cai na copa nub Ian. minha vista. Dois segundos depois sinto Maria, que fala comigo, quase sussurra e diz que me ama, enquanto meus filhos correm lá fora. É uma constelação perfeita, um momento único, aquele sabor que ou está na boca.
Sempre senti que podia mudar o mundo fazendo vinho, você entra em êxtase e pode perder o quanto o vinho pode mudar nosso espírito. Desfrute das carícias no paladar, abra o coração, una e esqueça o desazón.
A raiz do nosso amor são sempre memórias, coisas a recordar que nos invadem e nos fazem voltar aos nossos prazeres iniciais, quando fazer vinho era um jogo, quando fazer vinho nos deixava nus diante do outro, livres, a beleza do eterno e etéreo, a beleza da dor com uma razão.

Foto de Alejandro Vigil: Furacão de Fogo

De volta ao nosso compromisso com a cultura, nossos ancestrais, nossa família e amigos.
Fazer vinho é uma forma de vida que nunca devemos virar as costas, podemos ter amnésias de sensações mas
não esquecer. Sempre temos que acordar e ver o nascer do sol com alguém, obrigado Maria.

(*) Alejandro Vigil é o enólogo chefe da Catena, dono da El Enemigo, e um dos maiores do mundo. Um ser humano maíusculo, como diz o Zé Petit Rodrigues. "Grande enólogo, grande escritor, grande fotógrafo. Vigil é um ser humano gigante e faz toda a diferença neste mundo cada vez mais desumano"

Nenhum comentário:

Postar um comentário