quinta-feira, 19 de setembro de 2024

A incrível história da marquesa que se dedicou aos pobres e fez um vinho icônico, dos reis

 A incrível história da marquesa

que se dedicou aos pobres

e fez um vinho icônico, dos reis


Por José Petit Rodrigues


Se eu fosse o Papa Francisco, abria uma garrafa de Barolo, dava uma examinada no processo de beatificação de Giulia Falletti di Barolo e tornava essa excepcional mulher em santa.

Francesa, Juliette-Françoise-Victurnienne de Colbert-Maulévrier nasceu em família aristocrática em plena Revolução Francesa , tendo vivido na corte. Mas foi em 1806 que Napoleão Bonaparte, nada menos que ele, patrocinou seu casamento com o marquês Carlo Tancredi Falletti di Barolo, um piemontês que foi levado para a França ainda criança.

Os tempos eram agitados e Napoleão caiu em 1815. Um ano antes, os marqueses de Barolo se instalaram em Piemonte, na Itália, e Juliette italianizou seu nome para Giulia. E foi aí que ela começou a ganhar projeção, assumindo uma vida bem parecida com a de Santa Edwiges. Ricos, passaram e incentivar a cultura, mas o mecenato não bastava. A alma puramente cristã de Giulia desabrochou para a caridade.

Comune di Barolo e o
 castelo dos marqueses ao fundo

Era um tempo em que havia prisão civil e não pagar uma dívida era o caminho para a cadeia. Com isso, numa época patriarcal, as famílias se desintegravam. Começou patrocinando dignidade aos presos, com fornecimento de comida e roupas decentes, além de higiene nos presídios. Foi nomeada superintendente honorária das prisões, tornando a prisão de Turim modelo, graças ao regulamento interno que criou e que foi colocado em discussão com os prisioneiros, que o aprovaram por unanimidade.


Mas esse trabalho ainda não era suficiente. A prisão do patriarca deixava a família na miséria e ela percebeu que teria de ampliar suas ações. Era preciso oferecer assistência alimentar, educacional e médica à população. Cuidou também das mães jovens, das prostitutas e das vítimas. Além de escolas, fundou um abrigo para mães solteiras.

O marques de Barolo sempre foi seu parceiro nessa atuação social e teve uma forte atuação política voltada sempre para o social, o que o fez ser reconhecido como servo de Deus pela Igreja Católica. Atuou muito na epidemia de cólera de 1835, financiando hospital e auxiliando doentes e seus familiares. Morreu três anos depois, vítima da doença, e Giulia continuou sua caminhada cristã. Viúva, voltou-se ainda mais à caridade, até morrer.

 

O que a marquesa tem a ver com o mundo dos vinhos?

 

Pois é. Provavelmente o único desconforto que a marquesa de sangue francês tinha era aturar o vinho tipo caseiro que a região produzia com a uva Nebbiolo, que em 1787 recebeu a seguinte definição:

 “Doce, como o aveludado Madeira, adstringente no paladar como Bordeaux e festivo como Champagne”. O autor? Thomas Jefferson, que depois viria a ser presidente dos Estados Unidos.

Diz a lenda que, tempos depois de se mudar para Piemonte, a marquesa sentiu saudades da terrinha (ou dos vinhos franceses?...) e resolveu melhorar o vinho da região. Chamou seu amigo francês, o enólogo Louis Oudart, para cuidar disso. Há controvérsias, mas fico com essa versão.

Safra 1895 bem guardada
A então rústica nebiollo passou por um processo de vinificação rigoroso, descansando em barricas de carvalho francês, como se fazia na França. Nasceu daí o famoso Barolo, chamado de “vinho dos reis, rei dos vinhos”.

O rei recebia uma dessas por dia
Tem uma historinha também a esse respeito. Numa visita ao rei do Piemonte, Carlos Alberto Sardenha, a marquesa ouviu dele a reclamação de que ainda não conhecia os vinhos dela, que ganhavam fama. A partir daí, ela passou a mandar uma barrica diária do Barolo para o rei, que gostou muito. Um ano depois, eles de reencontraram e ela ouviu outra queixa: “você só mandou 325 garrafas. E as outras 40?”. E respondeu de pronto: “teve a quaresma...”


Uma visita à Marchesi di Barolo, 200 anos depois

Um ótimo programa para quem está no Piemonte é visitar a pequena Barolo, terra dos grandes vinhos com o mesmo nome. E ali poderá conhecer a Marchesi di Barolo, a cantina construída pelos marqueses e que está lá, inteirinha, inclusive com os grandes tonéis com mais de 200 anos.

Na visita, que antecede a uma degustação digna dos reis, dá para ter a dimensão do grande projeto que transformou a uva nebbiolo no icônico barolo. O cuidado com o descanso, a guarda, a refrigeração do vinho é surpreendente para aquela época.

As barricas atuais

Quando a baronesa morreu, sem herdeiros, doou todo seu patrimônio para a entidade social que fundou, ligada à Igreja Católica. E assim ficou até 1929, quando o governo proibiu que a igreja tivesse bens materiais. Foi assim que o enólogo Pietro Abbona adquiriu a vinícola, mantida até hoje pelos seus descendentes, que honram o ideal dos marqueses de Barolo.

Aqui, fica uma pergunta: se você fosse o Papa Francisco não santificava Giulia Falletti di Barolo?

 

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